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Não podemos ignorar a queda do Sudão na violência

NOVA IORQUE – A 8 de Março, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução que apelava ao fim imediato das hostilidades no Sudão durante o mês sagrado do Ramadão. Também instava todos os intervenientes no conflito a garantirem a prestação rápida e segura de apoio humanitário, e a respeitarem as suas obrigações ao abrigo do direito humanitário internacional, nomeadamente quanto à protecção de civis.

O conflito violento, que irrompeu no passado mês de Abril depois de um impasse entre as Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido (FAR), um poderoso grupo paramilitar, engoliu desde então mais de metade do país. Quase um ano depois, a pressão do Conselho de Segurança no sentido de um cessar-fogo e da livre circulação da ajuda é um passo em frente determinante, no seguimento dos apelos cada vez mais urgentes para uma suspensão imediata do conflito por parte da União Africana e do Secretário-Geral da ONU António Guterres. Agora, os decisores políticos têm de traduzir as palavras em acções.

A situação no Sudão é catastrófica. Metade da população – 25 milhões de pessoas – necessitam desesperadamente de ajuda humanitária. Segundo o Programa Alimentar Mundial da ONU, quase 18 milhões de pessoas enfrentam fome aguda – mais do dobro do que no ano passado – e têm de tomar decisões impossíveis para se alimentar, enquanto perto de cinco milhões (o equivalente à população da Irlanda) estão à beira da fome. Desde que o conflito começou, mais de oito milhões de pessoas foram desalojadas. Em Dezembro, o Secretário de Estado dos EUA Antony Blinken emitiu uma declaração referindo que estavam a ocorrer crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpezas éticas no Sudão, evocando ecos sinistros do genocídio de Darfur.

Dadas estas condições, não surpreende que o Sudão tenha encabeçado a Lista de Acompanhamento de Emergência para 2024 do International Rescue Committee. O conflito devastou a produção agrícola, ao mesmo tempo que o armamentismo da ajuda humanitária restringiu o fluxo de alimentos e de medicamentos para o país. Adicionalmente, a destruição quase total do sistema de saúde levou à propagação de doenças evitáveis, enquanto a paralisação do sistema bancário desencadeou o colapso económico.

Mais de meio milhão de desalojados procurou refúgio no Sudão do Sul, por sua vez um dos países mais pobres do mundo. Durante uma visita recente, ouvi histórias dolorosas sobre os refugiados sudaneses. Asma, mãe de dois filhos, percorreu mais de 600 quilómetros a partir da capital Cartum, com os seus filhos, que deveriam ter entrado para a universidade no ano anterior. Ela partiu porque, confrontada com a intensificação dos combates, “não teve escolha”. Maban, a província fronteiriça onde encontrei Asma, alberga 220 000 desalojados – mais do quádruplo da população original. E pelo menos 1500 sudaneses continuam a entrar todos os dias no Sudão do Sul.

Pior ainda, o conflito no Sudão internacionalizou-se: um grupo alargado de interesses africanos conflituantes tomou partido, assim como o fizeram a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, enquanto o Grupo Wagner da Rússia terá alegadamente armado as FAR. Este tipo de conflito, que ameaça transformar-se na nova normalidade, tem potencial para durar quase quatro vezes mais do que uma guerra civil convencional que envolva apenas intervenientes internos. Um quadro geopolítico tão complexo também complica a diplomacia.

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Uma solução potencial reside na noção de “Soluções africanas para problemas africanos”, o que na prática significa que as crises africanas seriam geridas pela UA, e não pelo Conselho de Segurança. Mas esta abordagem, na medida em que já foi implementada, não resolveu o conflito no Sudão. Os líderes africanos deveriam ser capazes de liderar, mas não podem ser deixados a defender-se sozinhos.

Agora que o Conselho de Segurança se manifestou, terá de implementar medidas práticas para abrandar o conflito e, em última análise, terminá-lo. A sua resolução deveria servir como um sinal de alerta para que os decisores políticos intensifiquem esforços conjuntos, especialmente porque o conflito está a alastrar mais rapidamente do que a resposta que a diplomacia consegue dar.

Estes esforços terão de incluir medidas para proteger civis e as infra-estruturas de que dependem, como os hospitais. Até agora, o conflito tem perturbado de forma significativa o sistema de saúde do Sudão. A Organização Mundial de Saúde confirmou 58 ataques a instalações de saúde desde o início dos combates, ao mesmo tempo que concluiu que 70% dos hospitais em estados afectados pelo conflito não estão em funcionamento, devido à violência e a insuficiências.

Também existe uma necessidade urgente de facilitar o fluxo desimpedido da ajuda humanitária pelas rotas mais directas. Dadas as actuais restrições de acesso no Sudão, isto obrigará a formas novas e inovadoras de chamar a atenção para os vários obstáculos, o que por sua vez poderá levar a soluções diplomáticas mais eficazes. O IRC, por exemplo, propôs a criação de uma nova Organização de Acesso Independente para melhorar a divulgação de obstáculos ao acesso e para encorajar os decisores políticos globais, regionais e nacionais a agirem.

Também é essencial mais financiamento. Numa conferência de doadores da ONU realizada no ano passado, estes destinaram menos de metade do montante necessário para financiar a resposta humanitária no Sudão e nos países vizinhos que acolhem refugiados. Em 2024, quase 25 milhões de pessoas no Sudão necessitarão de ajuda. Mas, até à data, os apelos a financiamentos de 2,7 mil milhões de dólares e de 1,4 mil milhões de dólares, emitidos respectivamente pelo Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários e pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados, estão longe de cumprir os seus objectivos. O fardo que os refugiados representam sobre outros países, como a República Centro-Africana, o Chade e a Etiópia, aumenta o risco de desestabilização regional.

A experiência do Sudão nos últimos anos demonstrou a rapidez com que um país pode sucumbir à violência. Há três anos, um governo civil chegou ao poder. Hoje, o país é uma zona de guerra infernal. Segundo o International Crisis Group, o Sudão está à beira de um precipício, com Cartum, o centro económico e político do país, a ser hoje “uma carcaça irreconhecível”. Sem ajuda adicional para o Sudão e os seus vizinhos, a instabilidade propagar-se-á. É necessária uma liderança política corajosa para impedir a queda. Mas os decisores políticos têm de agir rapidamente para impedir que o vácuo de poder no Sudão se transforme numa ameaça mais ampla.

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